memórias de uma árvore que conheci
2024
Fico muito apreensivo quando alguém alega insegurança pela eminência de uma árvore poder soltar seus galhos em uma ventania e danificar seu patrimônio gerando custos de manutenção do mesmo. Sempre me pergunto: quem veio antes? A árvore ou (a noção de) patrimônio. Entendo o quanto é desgastante consertar aquilo que foi destruído, mas cortar drasticamente a árvore sem deixar vestígios parece-me uma solução radical a qual justamente corta “o mal” pela raiz.
E sobre a árvore? Quando ela pôde posicionar-se sobre essa situação? Quantas alternativas ela poderia dar para solucionar tal impasse? A ela não foi dada nenhuma chance de se manifestar, talvez por não conseguirmos, ainda, como seres humanos contemporâneos e intelectualizados demais, ouvi-la.
Então, um dia, recolhi seus restos mortais. Tentei escutá-los. Também não consegui. Já estavam mortos. E dessa pulsão de morte, nasceu um diálogo. Um diálogo com o que sobrou de uma Spathodea campanulata, conhecida vulgarmente por espatódea. Não vejo mais suas folhas verdes, seu tronco por oras retorcido e suas flores vermelhas intensas e exuberantes, suas frágeis sementes protegidas e agrupadas em uma casca grossa em forma de canoa. Eu conhecia a árvore e a vi nascer. Cresceu rápido demais. Abrigou uma ducha para eu me refrescar no verão. Orquídeas também se abrigaram sob sua copa. As crianças brincaram na sua sombra. Infelizmente ela precisou (?) ser cortada. Sobraram pedaços do tronco e memórias. Algumas dessas memórias decidi gravar.
Sobre os pedaços dos troncos decidi trabalhar nos veios registrados. As idades da árvore estavam ali. Suas intenções de crescimento no mundo também. Fui gravando sulcos tentando interagir minhas memórias acerca dessa espatódea com as memórias desse ser-manifesto-árvore. A árvore já deixou gravado em seu tronco suas memórias antes mesmo de eu gravar com ferramentas as minhas. Parece-me que dessa maneira consegui ouvi-la postumamente. Mas não precisaríamos esperá-la morrer para isso.